Projetos de inovação do Hospital São Francisco estão revolucionando os atendimentos do SUS em BH

Imagine um paciente com insuficiência cardíaca. A pressão dele começa a baixar e os batimentos do coração aceleram. Sinal de alerta. O órgão pode estar tendo dificuldade para bombear o volume de sangue necessário para o corpo. O quanto antes o médico descobrir esse quadro, maior chance de sucesso vai ter a intervenção para revertê-lo. É aí que a tecnologia embutida em pulseira criada pela Lincare atua. Ao monitorar o comportamento dos sinais vitais dos pacientes, com medição em intervalos curtos, a cada cinco minutos, ela permite ao médico atuar antes que o pior aconteça. No protocolo convencional, somente com interferência humana, essa coleta de dados é feita a cada 4 ou 6 horas.

A pulseira que monitora sinais vitais e envia os resultados em tempo real ao médico e um biomarcador que indica o melhor tratamento oncológico a ser seguido conforme o perfil genético do doente são tecnologias criadas por startups de Belo Horizonte, que estão em fase de teste em um hospital filantrópico da capital. As soluções, que prometem melhorar o atendimento a pessoas com problemas cardíacos ou câncer no Sistema Único de Saúde (SUS), já fazem parte da realidade do cotidiano do Hospital São Francisco. A instituição, no Bairro Concórdia, na Região Nordeste de Belo Horizonte, atende cerca de 70 mil pacientes anualmente. O Estado de Minas conversou com os criadores dessas inovações e com a equipe médica para mostrar como essa parceria auxilia pacientes e a rede hospitalar.

“Nossa pulseira monitora a pressão, batimentos cardíacos, além de fornecer dados sobre o sono, movimentação e ociosidade”, detalha Ana Cláudia da Mata, umas das fundadoras da Lincare. A parceria da startup mineira com o hospital, inicialmente, prevê o acompanhamento de pacientes cardíacos e oncológicos. Nesta primeira fase, 60 doentes recebem as pulseiras. Um número pequeno, se comparado com a média de 1.500 atendimentos mensais somente de pessoas com diagnóstico de câncer feitos pelas duas unidades do complexo hospitalar. O preço da tecnologia ainda é um desafio a ser vencido. Cada dispositivo tem um custo médio entre R$ 200 e R$ 300, sendo necessário investir mais R$ 19,90 por cada vida monitorada. “Como estamos falando de iniciativa SUS, a gente não pode tratar de uma tecnologia cara. Nosso trabalho, neste ano, vai ser tentar baixar, pela metade, esse preço de monitoramento”, afirma Ana Cláudia.

Outra vantagem das pulseiras da Lincare é permitir que todas as camadas se envolvam e se beneficiem no processo de tratamento, da gestão do hospital ao paciente. “A pulseira não é somente para beneficiar os gestores e o médico. Ela pode ir com o paciente para casa e ele continuar sendo monitorado à distância”, comenta. “E mais ainda, a gente está fazendo uma revolução na qual podemos descobrir comportamentos que nunca foram medidos fora de UTI”, projeta a jovem empreendedora.


DIAGNÓSTICO RÁPIDO
Em outra ponta, um marcador molecular é promessa para o diagnóstico rápido de vários tumores. A primeira proposta da tecnologia, capaz de identificar o perfil do câncer de ovário foi desenvolvida durante o projeto de doutorado de Letícia Braga, que conduziu boa parte de sua pesquisa na Universidade Federal de Minas Gerais.”É um painel de análises genética. A gente determinou um conjunto de genes para avaliar o prognóstico das mulheres com câncer de ovário e dizer qual a chance de recaída, qual a chance de a paciente responder àquele determinado tratamento quimioterápico”, explica a CEO da Startup Oncotag. A parceria com o Hospital São Francisco permitiu que o projeto ganhasse novas perspectivas de alcance. “A nossa proposta é extrapolar esse projeto para outro tipos de tumores. Para tipos de câncer mais prevalentes e, com isso, alcançar um maior número de pessoas”, diz Letícia.

No protocolo-padrão, quando o médico não conhece o perfil genético do tumor não é possível identificar o método mais eficaz para aquele caso antes de dar início ao tratamento. “Então ele não sabe se aquele paciente vai se adequar ao tratamento A ou B. O médico começa por A, em seguida tenta o B. Mas muitas vezes a agressividade da doença não permite que o paciente passe por todos os esquemas quimioterápicos”, explica a pesquisadora. “Isso acaba determinando a baixa sobrevida, o retorno do tumor e a má qualidade de vida dos pacientes, que vão passando por sucessivas sessões de quimioterapia sem obter resposta”, avalia.

Tempo para pessoas diagnosticadas com câncer é fator que pode determinar a vida ou a morte. Para a coordenação do Hospital São Francisco, a inovação dos biomarcadores tem um impacto revolucionário no tratamento do câncer, que pode atuar diretamente na cura de muitos pacientes. Quanto mais cedo o tumor começar a ser tratado da forma adequada mais chances o paciente tem de cura. Sem recursos tecnológicos como os marcadores da Oncotag, a definição do tratamento podia levar meses ou até um ano. O prognóstico da Oncotag fica pronto em 15 dias. Tempo recorde até se comparado com o de empresas concorrentes da rede privada de saúde, que liberam um diagnóstico desse perfil em 25 dias.

Pioneirismo para mudar padrão de atendimento
Usar a tecnologia como ferramenta para otimizar processos internos, melhorar a assistência aos pacientes e até reduzir custos já é realidade em muitas unidades particulares de saúde no país. Mas, no SUS, iniciativas como as desenvolvidas no Hospital São Francisco são novidade. “É um projeto ousado, arrojado, onde a gente quer ser uma referência. Ser exemplo em desenvolver produtos para que o SUS no Brasil comece a trabalhar de uma outra forma”, afirma o superintendente geral da instituição, Helder Avelino Yankous.

Além das parcerias com startups e universidades da capital, foi criado também um núcleo de inovação dentro da unidade. Nesse espaço, a inteligência artificial transforma dados vindos de todos os setores do hospital em relatórios detalhados da evolução de cada paciente. “O sistema organiza as informações e já constrói uma linha de cuidado, com o link dos protocolos, acompanhamento dos resultados, indicadores de desenvolvimento e índices de complicações”, detalha Yankous.

Um dos nomes mais atuantes no ecossistema de inovação de Minas, Fábio Veras, presidente do Sindicato da Indústria Digital de Minas, também abraçou o projeto. Ele tem feito a ponte entre startups que desenvolvem tecnologias para a saúde, as health techs, e a instituição. “Estou levando startups para trazer um outro paradigma à saúde pública”, diz Fábio. Ele acredita que soluções como as que estão sendo testadas no Hospital São Francisco podem resolver os principais gargalos da saúde pública. “Humanizamos o atendimento e reduzimos custos. Acredito que podemos criar legado com nosso conhecimento onde as pessoas mais precisam”, defende.

Minas Gerais é referência em tecnologia e inovação. Aqui, está a San Pedro Valley, uma comunidade com centenas de startups, que elevou a capital mineira ao posto de berço do empreendedorismo tecnológico nacional. Se mantiver a projeção, sairá daqui também o modelo que pode transformar a saúde pública do país. “Acredito que modelos como o do São Francisco vão aparecer em outros locais. E é uma coisa que não nos incomoda porque quanto mais pessoas pensando, criando, mais benefícios a população vai ter”, conclui Yankous.

Fonte: Jornal Estado de Minas

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