BH tem taxa de desperdício de vacinas de 6,6%; Saúde aceita até 10%

Desperdício de dose ainda é um grande desafio em todo o país

Na corrida para imunizar o maior número de pessoas contra a Covid-19, ninguém quer desperdiçar uma dose sequer.  Algumas cidades, inclusive, vão até a caça de integrantes dos grupos prioritários e fazem a famosa “xepa” para que nenhuma vacina fique fora do braço. A servidora pública Taís Costa, 25, mora na cidade de São Paulo e conseguiu ser vacinada antes do calendário da cidade, porque deu a “sorte” de sobrar uma dose da vacina enquanto esperava o marido, de 35 anos, se imunizar.

“Ele era o último do dia e o frasco que abriram para ele dava para aplicar em mais de uma pessoa. Até chamar meu grupo, eu acho que esperaria em média um mês”, afirma a psicóloga que ainda amamenta o filho de 1 ano. 

Atualmente, a taxa de desperdício em São Paulo é de 5%. Segundo a prefeitura, entre as estratégias para evitar que doses sejam perdidas, ao final de cada dia, após a vacinação do público-alvo, os imunizantes remanescentes são aplicadas em lactantes sem comorbidades até dois anos, estudantes da área da Saúde e, se ainda sobrar, em maiores de 18 anos. Na capital do Espírito Santo, Vitória, a perda técnica é 2,95%. 

Em Minas Gerais, muitas cidades não realiza a “xepa”. Reflexo disso, segundo os especialistas, pode ser sentido na taxa de perda de vacinas. Em Belo Horizonte, a perda técnica é de 6,6%. O município apresenta um dos maiores índices das capitais do sudeste e entre as dez cidades que mais aplicaram primeira dose no Estado. Em Uberlândia, a segunda cidade que mais aplicou D1 em Minas, a estimativa é que 5.258 vacinas foram perdidas, o equivalente a 1%. Em Contagem, a perda estimada é de 3,89%. Já em Divinópolis e Montes Claros, o percentual é de 0,1% e 0,02%, respectivamente. 

Atualmente, o Ministério da Saúde considera até 10% de perda aceitável. Mas para o professor de epidemiologia e saúde coletiva da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Sinézio Inácio da Silva Júnior, o índice alto é ainda alto. “O Plano Nacional de Imunização sempre trabalhou com a margem de 5% de perda. O governo federal deu uma relaxada e aumentou essa taxa, porque viu que as perdas estavam maiores. Mas é uma questão que não deve ser institucionalizada. Em um momento de pandemia grave é complicado trabalhar com qualquer tipo de perda”, analisa o especialista, que considera a xepa um importante instrumento para evitar o desperdício de doses. 

“A ‘xepa’ sem dúvida é uma estratégia para reduzir a perda de dose no fim do dia de imunização. As unidades de saúde da família possuem o cadastro da população atendida, então, é importante, chamar essas pessoas, rastrear elas para evitar desperdícios quando os frascos são abertos. Pode ligar para essas pessoas chamando e em algumas cidades, vale até carro de som chamando na rua. O importante é um sistema ágil para que isso seja possível”, completa. 

Frágil. 
Apesar da vontade ser que nenhuma dose seja desperdiçada, de acordo com o epidemiologista, José Cássio de Moraes, vacinas são sensíveis e podem ser perdidas por descongelamento, erros no manuseio ou até mesmo pelo uso de seringas inadequadas. Segundo o médico, desperdícios acontecem em qualquer imunização, da vacina da gripe ao sarampo, que podem ter perdas maiores de 20%.

“Dependendo do tipo de seringa que se usa se tem um rendimento menor e isso acontece porque não se acha a agulha adequada ou até mesmo, porque se paga mais cara por ela. Não é uma questão de um erro técnico, é uma perda natural que acontece quando se retira a vacina da embalagem. Além disso, existem outras perdas sobre o tempo de abertura do frasco e até mesmo problemas nas temperaturas das geladeiras e falta de energia elétrica”, explica o especialista que critica a demora na distribuição dos imunizantes. Em alguns casos, o Ministério da Saúde leva até uma semana para entregar as vacinas aos Estados. Atualmente, 8 milhões de doses não têm data para serem repassadas. Em Minas Gerais, segundo a Secretária de Estado de Saúde, o tempo de distribuição aos municípios é de 3 a 4 dias. 

“O Brasil está familiarizado com campanhas de imunização, o que diminui chances de erros, existe a experiência dos nossos centros de saúde e dos profissionais. Mas vacina parada uma semana em um momento tão complicado não é adequado. Não adianta ter vacina em estoque, é preciso agilidade. A vacina tem que estar na unidade que atende a população, não é guardada”, pontua. 

Distribuição também causa prejuízo
Na cidade de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, alguns lotes das vacinas apresentaram de 10% a 15% de perda devido ao desvio de qualidade dos imunizantes. Ao todo, foram 6.627 doses inutilizadas, quase todas do Instituto Butantan. O município não informou, no entanto, qual foi a perda técnica na cidade. 

Em nota, a prefeitura explicou que existe uma perda técnica operacional aceitável devido ao volume morto que fica retido na seringa, porém, no caso da vacina Coronavac, ocorreu um desvio de qualidade no momento do envase fazendo com que a quantidade presente no frasco não correspondesse ao número de doses informado na bula.

“Não ocorreram perdas por expiração do prazo de validade, entretanto, devido ao vencimento de algumas vacinas após o descongelamento, se faz necessário a utilização em pouco espaço de tempo”, destacou a prefeitura em nota ressaltando que constantemente são realizadas capacitações com as vacinadoras sobre manuseio, aspiração correta e ainda a substituição da seringa de aplicação, buscando reduzir a perda técnica operacional. 

Com relação à “xepa”, o município informou que trabalha para que haja o mínimo possível de doses remanescentes, mas que os imunizantes que sobrem no fim do dia são direcionados geralmente ao público próximo ao que está sendo atendido ou é feito uma busca ativa para que as doses não sejam perdidas. 

A reportagem entrou em contato com o Instituto Butantan, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta. 

Respostas 
BH. De acordo com a Secretária Municipal de Saúde, a prefeitura mantém um monitoramento criterioso das vacinas, no que diz respeito não só à validade, mas também às condições em que devem ser armazenadas e aplicadas. A PBH frisou ainda que não há ‘xepa’ na capital e destacou que a determinação repassada é que os centros de saúde procurem os usuários para a aplicação das doses de vacina remanescentes, somente quando necessário, para não haver desperdício. São priorizados os acamados do público-alvo que serão vacinados naquele dia e, caso ainda existam doses que devem ser utilizadas ainda na data, são selecionadas pessoas com as faixas de idade imediatamente inferiores às que estão sendo contempladas. 

Contagem. O município informou trabalha com uma busca ativa e protocolos para evitar a perda de doses. Uma das estratégias é aplicar as possíveis sobras na população em idade mais próxima do público que está sendo contemplado ou em alguém dos grupos prioritários. Além disso, as equipes são orientadas a remanejar doses entre as unidades e não abrir frascos próximo ao horário de encerramento da vacinação.

Uberlândia. Por meio de nota, a prefeitura informou que devido ao agendamento de vacinação o município realizar um extenso controle de quantas doses serão abertas e utilizadas no dia. Em raros casos de necessidade, é feito a convocações emergenciais de cadastrados, evitando que haja sobras. 

Montes Claros. Até o momento, o município apresenta uma perda técnica de 509 doses. Para minimizar possíveis desperdícios, a prefeitura realiza a ampliação ou restrição de pontos e horários para vacinação dependendo da demanda pela vacina, além de realizar o agendamento de segunda dose e a concentração de frascos abertos das unidades de saúde no drive thru para possibilitar o uso total

Divinópolis. A estimativa é que 160 doses foram perdidas na cidade até o momento. A estratégia adotada na cidade foi o treinamento dos profissionais de imunização. Na cidade, quando a “sobra”de vacina, os agentes de saúde ligam para as pessoas da lista que vacinaria no dia seguinte, ou pessoas que já estão dentro do PNO, como por exemplo, força de segurança.

Ipatinga. O município considera a perda operacional na vacinação contra a Covid-19 de 5%. A secretaria municipal de saúde da cidade informou que tem realizado treinamentos a fim de garantir que os profissionais estejam capacitados para a vacinação. Já as vacinas que sobram, no fim do dia, são destinadas à pessoas contempladas em alguns dos grupos priorizados. 

SES. O governo de Minas informou que a logística de distribuição é feita assim que as vacinas chegam no Estado. Até o dia 16 de julho, a Secretária de Estado de Saúde recomendou que 13.177 doses não fossem utilizadas devido à perdas físicas, representando um percentual de 0,08% de perda técnica. Segundo a pasta, o Ministério da Saúde inclui um adicional de 10% de doses em cada remessa de vacina disponibilizada ao Estado, para reposição dessas possíveis perdas.

Governo Federal. Até o fechamento desta edição, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre a demora na distribuição de vacinas. 

“Desperdício” de vacina 
Confira qual tem sido a perda técnica dos imunizantes contra a Covid-19 em algumas cidades do Estado e do país 

– Minas Gerais: 0,08% (13.177 doses)
Belo Horizonte: 6,6%
Uberlândia: 1% 
Contagem: 3,89%
Montes Claros: 0,02%
Ipatinga: 5% 
Divinópolis: 0,1%

Capitais do sudeste
São Paulo: 5%
Vitória: 2,95%
Rio de Janeiro: não informado

10% é o percentual de perda considerado aceitável pelo Ministério da Saúde

Fonte: Prefeituras, Estados e Ministério da Saúde

Por: Letícia Fontes/O Tempo

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