Metaverso na saúde: experiência pode ser o próximo passo da telemedicina

Novidade no ar. Tão propalado nos últimos tempos, o metaverso, experiência imersiva que consegue mesclar elementos do mundo real e virtual ao mesmo tempo, promete revolucionar a área da saúde. Pode ser o próximo passo da telemedicina, com possibilidades potencializadas na relação médico-paciente e enfrentamento de doenças. É, de fato, um movimento em expansão.

Estudo da Market Research Future (MRFR) projeta, entre 2024 e 2030, crescimento anual do mercado da saúde no metaverso em 48,3%. Em 2020, o setor representava US$ 505 milhões, e pode alcançar R$ 5,4 bilhões em 2030. Por enquanto, o paciente consegue, remotamente, interagir com um avatar do médico em um consultório exatamente igual ao dele, e o médico pode, na outra ponta, dialogar com o avatar do paciente caso ele tenha os óculos próprios, equipamento necessário para a tecnologia funcionar.

A perspectiva é ampliar a ferramenta para a implantação, por exemplo, dos gêmeos digitais: o avatar do paciente passa a ter os seus dados de histórico de saúde unificados, como todos os exames que já fez ao longo da vida, prontuários médicos de consultas anteriores sobre quaisquer lesões ou problemas de saúde pregressos.

Tudo o que pode transformar a realidade virtual em uma abordagem humanizada para as consultas em ambiente digital, enriquecendo a base de informações para os diagnósticos e tomada de decisões dos médicos. É possível ainda projetar um órgão doente e realizar uma cirurgia virtual conjunta no metaverso antes do procedimento em si, reduzindo a ocorrência de erro. A tecnologia também viabiliza a projeção de hologramas 3D, permitindo manipular, rodar a imagem, fazendo o indivíduo compreender melhor seu próprio exame. E por aí vai.

Em Belo Horizonte, Felipe Mendes, neurocirurgião mineiro, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, acaba de lançar seu consultório médico no metaverso, e é um dos pioneiros no país nesse sentido. A primeira consulta que ele realizou neste modelo ocorreu em 9 de dezembro.

Felipe atendeu a engenheira ambiental Luanna Oliveira, de 29 anos, que se queixava de dores na lombar. Também foi a primeira ocasião em que Luanna teve uma consulta médica no ambiente digital. “Foi fantástico. A sensação é de estar frente a frente com o médico”, conta. E, por morar em Divinópolis, essa foi uma forma de ter acesso ao profissional e sua avaliação mais rapidamente. “Otimizou meu tempo, aconteceu no horário marcado, sem atrasos”, relata. Luanna diz que percebe no metaverso, aplicado à área da saúde, uma verdadeira inovação. “Acredito muito na evolução da telemedicina”, pontua.

INTERAÇÃO Sobre o metaverso em si, Felipe lembra que ainda é um ambiente/plataforma em desenvolvimento, que já oferta diversos recursos e ferramentas interativas. “Por exemplo, é possível fazer com que pessoas interajam entre si, colaborando no ambiente de trabalho, estudo, lazer e, até mesmo, com o benefício de cuidar da sua saúde realizando uma consulta médica por avatares”, esclarece.

Sobre a aplicação para a saúde, pode ser a expansão dos mecanismos das teleconsultas. “É o próximo passo da teleconsulta, que ainda continua sendo um espaço de atendimento sem muitas ferramentas interativas além da possibilidade de contato por video”, diz o neurologista.
Felipe explica que a experiência da consulta no ambiente do metaverso, por sua vez, pode acontecer em duas modalidades. Uma em que só o profissional de saúde/médico utiliza o equipamento – óculos de realidade virtual (VR) –, e outra em que tanto o profissional quanto o paciente têm o equipamento de VR.

Na primeira, aponta, o paciente acessa a plataforma utilizando seu computador, visualizando o avatar do médico e o consultório no espaço virtual. Assemelha-se a uma consulta presencial, porém em formato digital e com o paciente acompanhando em perspectiva a sala do médico. “Nesse formato, é possível que os dois conversem e visualizem juntos exames de forma mais dinâmica, com espaço para demonstrações ilustradas e melhor entendimento dos problemas de saúde”, diz.
No segundo formato, hoje ainda menos frequente devido ao acesso dificultado ao equipamento de VR, a experiência torna-se muito mais imersiva. “Nesse caso, tanto o profissional de saúde quanto o paciente se relacionam por meio de avatares, podendo experimentar toda a visão e recursos do ambiente virtual.”

De acordo com Felipe, entre os benefícios do metaverso estão: melhorar a experiência do usuário, além de permitir colaborações mais eficazes entre profissionais de saúde. “Chegamos ao ponto em que um profissional de saúde consegue participar de um procedimento cirúrgico com outra equipe em diferentes localidades, demonstrando sua opinião e discutindo melhores estratégias, por exemplo.”

RELAXANTE As ferramentas do metaverso podem também servir para amenizar a ansiedade e a tensão por meio de meditações guiadas, além de ajudar as pessoas a tolerarem melhor algumas situações desconfortáveis. “Imagine ser submetido a um procedimento cirúrgico e, enquanto a cirurgia é realizada, desfrutar de uma experiência agradável visualizando paisagens mais amigáveis, com uma trilha sonora relaxante”, ilustra Felipe.

A longo prazo, o especialista acrescenta, a expectativa é de que sejam criadas ferramentas que permitam o adequado desenvolvimento de um “digital twin” – uma espécie de cópia digital de alguém. “Assim, é possível replicar todas as características singulares de cada pessoa, permitindo discutir a melhor forma de tratamento ou abordagem cirúrgica, prevendo todos os obstáculos e complicações que hoje infelizmente só são descobertas durante atos cirúrgicos”, reforça. Seria como se o cirurgião pudesse realizar um treinamento, praticar em um modelo de organismo exatamente idêntico ao da pessoa a qual ele planeja operar.

Esses sistemas, aliados a dispositivos vestíveis – wearables, em inglês – podem fornecer informações de múltiplos parâmetros e dados em tempo real, inclusive prevendo situações catastróficas. Por exemplo, a existência de um dispositivo de fácil uso que conseguiria captar de modo preemptivo o surgimento de uma arritmia cardíaca e, ao mesmo tempo, iniciar um tratamento ainda longe de um ambiente hospitalar, continua Felipe.

“A consulta por meio do ambiente do metaverso tem a vantagem de ser feita no conforto de casa, além de facilitar o acesso a especialistas que só são encontrados em grandes centros. Com o melhor desenvolvimento desses dispositivos vestíveis é possível que a necessidade de realizar exames de sangue ou de imagem se reduzam, que o tratamento de doenças crônicas seja mais eficaz e que as idas aos serviços hospitalares de urgência diminuam. E que esses mesmos sistemas não só façam a leitura, como também já efetuem o tratamento”, salienta o neurologista.

Todos os dados e informações colhidos por esses sistemas poderão ser analisados por inteligência artificial, gerando novas associações e interpretações para vários problemas de saúde, apontando tratamentos e medidas de prevenção. “Será possível que todos esses equipamentos sejam integrados, que estabeleçam contato entre si, de forma que um aparelho, por exemplo, que mede a pressão arterial, envie dados para uma bomba de infusão de medicamento, informando que é necessário que seja liberada uma dose desse medicamento para correção da pressão arterial”, exemplifica Felipe.

Na relação médico-paciente, a previsão é levar a telemedicina a um outro patamar, pontua o oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira, especialista em lentes de contato, catarata, ceratocone e cirurgia refrativa. A telemedicina, ele cita, ganhou notoriedade com a pandemia e, agora, com a expansão dessas tecnologias, a tendência é que as consultas médicas pelo metaverso criem um ambiente virtual mais completo, ressalta. “O paciente pode vivenciar o consultório do médico, contemplar exames ou até projeções 3D de pontos do corpo que estejam em avaliação médica.”
O acesso à ferramenta ainda esbarra no custo. Hoje, reforça Felipe Mendes, é preciso investimento inicial para compra e aquisição do equipamento de VR, o óculos de realidade virtual, que tem valor semelhante a alguns consoles de videogame mais modernos. É de fato um entrave para a expansão e divulgação dessa tecnologia para diferentes sistemas de saúde.

“Com o avanço da tecnologia e possibilidade de barateamento no futuro, é possível que essa ferramenta seja mais difundida. Políticas públicas de financiamento ou parcerias com a iniciativa privada podem ajudar nesse sentido.”

MENOS ANSIOSA A designer Barbara D’Assunção, de 28, faz consultas por telemedicina há cerca de quatro anos, periodicamente. Diz que é uma maneira de ficar menos ansiosa, como acontece quando precisa sair de casa. Em relação aos atendimentos presenciais, ela conta que prefere o virtual também pela flexibilidade de horários. E não acredita que o modelo on-line compromete a qualidade do atendimento.

“Para mim, o que faz uma consulta ser boa ou não é quem está me atendendo ser atencioso e minucioso com os detalhes. Se estamos falando de uma consulta que não envolve algum tipo de exame, o profissional deve me escutar e entender o que eu estou falando. E para isso não faz diferença se é presencial ou não”, opina.

Para Barbara, se a experiência do paciente (no formato de terapia) fosse transportada para o metaverso, seria enriquecedor. “Principalmente para pessoas que gostam da imersão, ou que, para conseguir falar com o médico, precisam estar em um consultório. No meu caso, por outro lado, teria dificuldade, porque não consigo manter o foco o suficiente para não ficar olhando tudo, sem concentrar no que estou fazendo”, pondera.

Palavra de especialista
Tiago César Pereira Ferreira, oftalmologista, especialista em
lentes de contato, catarata, ceratocone e cirurgia refrativa

Unificação de dados ainda é desafio
“A tecnologia de dispositivos vestíveis, ou wearables, tem grande potencial de enriquecer os processos da saúde. Estamos caminhando para uma presença cada vez maior desses dispositivos. Os smartwatches já monitoram nossa pressão e batimentos e, agora, um dos lançamentos de smart glasses faz o mapeamento automático da saúde ocular do usuário. O grande desafio é a unificação de dados e o acesso a esses dados por médicos, profissionais da saúde, hospitais, laboratórios, etc., com autorização dos pacientes. Isso sem dúvida levaria a saúde a um novo patamar. Falar em avanços tecnológicos sempre vai gerar resistência e um certo receio. Afinal, nossa tendência é temer o desconhecido. Mas acredito que, pautadas pela ética, com atenção ao ser humano, sempre colocando em foco os princípios da medicina de tratar cada pessoa como única, e de forma humanizada, as possibilidades que essas tecnologias trazem podem ser grandes aliadas de médicos e pacientes para um conceito de saúde mais inteligente, mais preciso e focado em prevenção.”

 

Fonte: Jornal Estado de Minas

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